80's Bits XXXI

Neste mês: um crocodilo fora de água que visita a cidade que nunca dorme; um carro falante que dispensa apresentações e condutor; uma dupla de manas com coração da pesada e um corredor que cava buracos.

Filme: ‘Crocodilo Dundee’Crocodile Dundee (1986)

Michael J. “Crocodile” Dundee (Paul Hogan) é um caçador de crocodilos de um lugar isolado da Austrália. Casualmente chegam notícias sobre ele aos Estados Unidos e um jornal de Nova Iorque decide enviar uma jornalista para realizar reportagens sobre este exótico personagem. A filha do editor, Sue Charlton (Linda Kozlowski), é escolhida para a tarefa. Depois de enviar várias matérias sobre Dundee ao jornal, e saber do êxito que teve, Sue convence-o a acompanhá-la até Nova Iorque para que o público o conheça melhor. Na grande cidade, tudo resulta em novo e estranho para o caçador australiano, acostumado a viver sem ninguém por perto. E entre Dundee e Sue irão surgir sentimentos que acabam em uma história de amor, sendo que Sue já tem um noivo na cidade.

A ideia inicial para o filme surgiu quando o actor Paul Hogan visitou Nova Iorque e imaginou como seria se um seu compatriota do Território do Norte (a região florestal mais inóspita do continente australiano) chegasse à cidade. Inspirado pelas façanhas reais de Rod Ansell, um homem que se perdeu e sobreviveu durante 56 dias com escassos mantimentos numa zona remota desse mesmo território, Hogan escreveu a história e o argumento (juntamente com Ken Shadie e John Cornell) e recebeu o apoio do governo australiano para financiar o filme, numa tentativa deliberada de fazer uma longa-metragem comercial australiana que agradasse ao grande público norte-americano.

Lançado em Abril de 1986 na Austrália, e em Setembro do mesmo ano nos Estados Unidos, ‘Crocodilo Dundee’ estreou no primeiro lugar em ambos países e foi um fenómeno de bilheteira mundial. O filme arrecadou cerca de 48 milhões de dólares no seu país natal e é ainda hoje a longa-metragem de produção australiana com a maior receita de bilheteira. Uma série de pequenas mudanças foram feitas no filme para o seu lançamento nos Estados Unidos, onde foi lançado nos cinemas pela Paramount Pictures. Há duas versões da obra realizada por Peter Faiman: a versão australiana e uma versão internacional, que teve muitas das gírias locais substituídas por termos mais comummente entendidos, e uma duração um pouco menor.

Essencialmente uma popular comédia de acção, ‘Crocodilo Dundee’ é também, com a sua premissa clássica de “peixe fora de água”, uma espécie de comédia de situação, muito pelo carisma que Paul Hogan empresta à sua excêntrica personagem face às peripécias que esta enfrenta. As diferenças culturais e inevitáveis estereótipos fazem o resto e o filme resulta bem até ao ponto em que começa, no “terceiro acto”, a querer entrar nas rotinas gastas das comédias românticas. Vi o filme pela primeira vez quando estreou na televisão portuguesa e diverti-me. A sequela ‘Crocodilo II’ (1988) não demorou muito a chegar mas pouco trouxe de novo, ao passo que o terceiro filme da saga, ‘Crocodilo Dundee em Los Angeles’ (2001), é simplesmente olvidável.

Série: ‘O Justiceiro’ Knight Rider (1982-1986)

Michael Knight (David Hasselhoff) é um detective a quem foi dada uma nova imagem e nova identidade após quase perder a vida numa emboscada enquanto investigava um caso. Dado como morto, Knight é recrutado para trabalhar para a Foundation for Law and Government (FLAG), uma organização de justiça pública liderada por Devon Miles (Edward Mulhare). A missão: combater o crime com a ajuda de um carro dotado de inteligência artificial que fala, o K.I.T.T., um Pontiac Firebird Trans Am fortemente modificado que se torna uma arma futurista de velocidade, equipada com dispositivos de alta tecnologia e personalidade própria. Conduzidos pela justiça, eles estão prontos a deitar a mão a criminosos que operam fora da lei.

Estreada em 1982 pela Universal Television, a série 'O Justiceiro' estendeu-se por 90 episódios, emitidos durante quatro temporadas nos Estados Unidos até 1986. Herdeira e difusora da estética da década de 80 em vários países, a série criada e produzida por Glenn A. Larson tornou-se num clássico da televisão que permaneceu na memória de várias gerações de espectadores. Numa época em que a oferta televisiva era bem menor do que a actual, as novas séries de acção tornaram-se muito populares. Eram outros tempos e podia esperar-se que os vilões fossem facilmente identificáveis, que com frequência houvesse uma donzela em apuros para resgatar e que o herói urbano vestisse de acordo com a moda, conduzisse uma carro desportivo e resolvesse as suas divergências com os malfeitores à pancada.

Na década de 80, o género cinematográfico dos buddy movies (uma espécie de "filmes de parceiros") transferiu-se para as séries de televisão. Havia precedentes de duplas com química televisiva entre um protagonista humano e um robô ou um animal mas com um automóvel foi algo nunca visto até então. 'O Justiceiro' foi sempre sobre Michael e K.I.T.T. (Knight Industries Two Thousand), o seu companheiro de quatro rodas, lutando por justiça. E em 90 episódios, isso significou um suprimento abundante de criminosos para enfrentar, incluindo Garthe Knight, o gémeo malvado do protagonista e K.A.R.R., o carro de inteligência artificial antagonista de KITT. Após o término da série seguiu-se o telefilme 'Knight Rider 2000' (1991), novamente com Hasselhoff ao volante, e mais tarde 'Knight Rider' (2008), um filme exclusivo para televisão que serviu igualmente de piloto para a nova série do mesmo nome, emitida de 2008 a 2009, e que durou apenas uma temporada.

Em Portugal, 'O Justiceiro' só estreou a 31 de Janeiro de 1987, quando já tinha terminado nos Estados Unidos. A série original foi um fenómeno de popularidade também por cá e, para além dos episódios, recordo-me de uma diversão para crianças que consistia numa réplica do KITT em que se sentava no habitáculo, colocava-se uma moeda e vivia-se a fantasia de conduzir o famoso carro, não faltando o movimento do mesmo, o painel com vários botões, o "equalizador anamórfico" vermelho da frente e o mítico tema principal da série, da autoria de Stu Phillips e Glenn Larson. Relativamente aos episódios de 'O Justiceiro', eram transmitidos na RTP1 aos Domingos antes do Telejornal e entretinham-me na altura. Revendo a série à luz dos dias de hoje, reconheço alguma pobreza narrativa no desenrolar dos episódios e mesmo que actualmente algumas funções "futurísticas" de KITT agora já sejam uma realidade, a verdade é que muitas das cenas de acção com o "supercarro" parecem irrealmente confrangedoras.

Álbum: ‘Bad Animals’ – Heart (1987)

Heart é uma banda norte-americana de rock fundada em 1973 por Roger Fisher (guitarra), Steve Fossen (baixo), Ann Wilson (voz e flauta), Michael Derosier (bateria) e Howard Leese (teclados), à qual se juntaria Nancy Wilson (guitarra rítmica) no ano seguinte. Fisher e Fossen já haviam integrado diversos projectos musicais sem grande sucesso até que decidiram fundar os Heart e lançar o primeiro álbum em Vancouver, no Canadá. 'Dreamboat Annie' saiu em 1975 e trouxe os primeiros êxitos do grupo através dos singles 'Crazy on You' e 'Magic Man'. O álbum seguinte passou mais despercebido mas ao terceiro trabalho, 'Little Queen' (1977), o seu single principal 'Barracuda' voltou a colocar sexteto oriundo de Seattle em destaque. No final da década, Fisher saiu dos Heart e a banda passaria por uma fase de declínio comercial até à primeira metade dos anos 80.

Em 1985, a banda assinou pela Capital Records e apresentou-se de forma renovada, com um som mais próximo do glam metal e afastando-se do material mais acústico e folk que marcou muitos dos seus trabalhos anteriores. Agora com Ann Wilson e o seu poderoso timbre vocal de soprano dramático a liderar a banda e a sua irmã Nancy como a principal guitarrista, a formação continuou a contar com Leese nos teclados e acolheu Mark Andes (baixo) e Denny Carmassi (bateria) para completar o quinteto que lançaria o álbum homónimo 'Heart' em 1985. Do mesmo sairam os singles 'These Dreams' e 'What About Love' que ajudaram o disco a alcançar o lugar cimeiro da Billboard 200. A consolidação do sucesso das Heart chegou dois anos mais tarde com o lançamento de 'Bad Animals', já o nono álbum de originais da banda.

'Bad Animals' seguiu a linha do álbum anterior, alicerçando-se no hard rock e gerando quatro singles, com destaque para 'Alone', que se tornaria a canção de maior sucesso da carreira da banda das manas Wilson. Originalmente lançada em 1983 pelo praticamente desconhecido duo i-Ten, a canção ganhou vida em 1987 pela versão das Heart, na forma de uma power ballad que passou três semanas no primeiro lugar da principal tabela norte-americana. 'Who Will You Run To', 'There's the Girl' e 'I Want You So Bad' foram os outros singles extraídos de 'Bad Animals', que chegou ao triplo disco de platina no seu país natal e alcançou igualmente bons resultados de vendas no Canadá, Reino Unido e Japão. Os anos seguintes seriam de sucesso mais moderado mas a carreira das Heart continuaria, com alguns hiatos pelo meio, até aos dias de hoje. O ano passado Ann e Nancy Wilson foram agraciadas com o Grammy Lifetime Achievement Award, uma espécie de Grammy de reconhecimento de carreira.

A primeira vez que ouvi uma música das Heart foi através da colectânea 'Jackpot 85' que o meu irmão mais velho recebeu em cassete no Natal desse ano. Continha a canção 'What About Love' que todos lá em casa gostávamos e isso terá contribuído para que dois anos mais tarde o mesmo irmão comprasse o disco de vinil de 'Bad Animals'. Lembro-me perfeitamente que foi o terceiro LP que ele comprou, depois dos álbuns dos Europe e dos Bon Jovi. A voz vibrante e fascinante de Ann Wilson conquistou-nos a todos, num disco que tinha todos os singles e as melhores canções do lado A, apesar do lado B também não ser fraco. Ainda hoje, quando ouço a primeira canção do álbum - 'Who Will You Run To' - tenho uma memória visual do vinil a rodar no gira-discos da antiga aparelhagem Pioneer lá de casa.

Videojogo: ‘Lode Runner’ (1983)

Em 'Lode Runner', o jogador controla a personagem homónima que deve colectar todo o ouro em cada nível, evitando os guardas que o tentam apanhar. Depois de recolher todo o ouro, o jogador deve chegar ao topo do ecrã para passar de nível. Existem 150 níveis no jogo, que desafiam progressivamente as habilidades de resolução de problemas ou tempos de reacção dos jogadores. 'Lode Runner' foi um dos primeiros jogos a incluir um editor, permitindo aos jogadores criar os seus próprios níveis e partilhá-los.

Os níveis apresentam um motivo de plataforma de tijolos de vários andares, com escadas e barras manuais suspensas que oferecem várias maneiras de se deslocar. O jogador pode cavar buracos no chão para prender os guardas temporariamente e pode caminhar com segurança em cima dos guardas presos. Se um guarda estiver na posse de uma barra de ouro ao cair em um buraco, ela será deixada para trás e poderá ser recuperada pelo jogador. Com o tempo, os pisos escavados regeneram-se, preenchendo esses buracos.

Criado pelo norte-americano Doug Smith e lançado pela Brøderbund em 1983 para Apple II, Atari 8 bits, Commodore 64, VIC-20 e PC, 'Lode Runner' foi um êxito e o seu sucesso originou dezenas de adaptações e sequelas para as mais diversas plataformas. Entre elas estão as máquinas de arcade, o que representou a primeira vez que um jogo lançado originalmente para uma consola doméstica tivesse sido adaptado para uma destas máquinas, contrariando a tendência inversa. Ainda que o jogo tenha vendido centenas de milhares de cópias nos Estados Unidos, no Japão vendeu mesmo milhões, tornando-se o primeiro videojogo ocidental a obter grande sucesso no país do sol nascente.

Tenho a ideia de ter visto alguém jogar 'Lode Runner' nos anos 80 mas eu próprio só o experimentei bem mais tarde, através de um emulador. Não me recordo de qual era a versão mas a mecânica do jogo cativou-me. Essencialmente, é necessário pensar muito rápido para escolher as melhores rotas de modo obter os pedaços de ouro, ao mesmo tempo que tentamos evitar os inimigos cavando buracos de forma a neutralizá-los... e tentando não acabar por cair nos mesmos.